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Conferência
Vias contemporâneas da espiritualidade em Portugal: para a compreensão da experiência mistérica
Samuel Dimas é Professor Auxiliar da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, membro integrado no CEFH – Centro de Estudos Filosóficos e Humanístico da UCP e membro da Direção do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira. Coordenador da linha de investigação «Pensamento Lusófono» do CEG- Centro de Estudos Globais da Universidade Aberta. Licenciado em Teologia com a tese «A intuição de Deus em Fernando Pessoa», mestre em Filosofia da Ação e em Filosofia Ibérica Contemporânea, obteve o grau de doutor em Filosofia com uma tese intitulada «A Teoria metafísica da Experiência em Leonardo Coimbra: Estudo sobre a razão mistérica e a redenção integral». Tem orientado os seus interesses para a Antropologia Filosófica, a Filosofia da Religião, a Filosofia Contemporânea, a Metafísica, a Filosofia Portuguesa e a Estética. Tem-se dedicado à investigação e promoção do Pensamento Lusófono e do Pensamento Iberoamericano..
Resumo da Conferência
A espiritualidade da civilização ocidental desenvolveu-se num certo antagonismo entre a experiência do mito e da mística e a experiência do logos e da teologia. A cultura do século XXI exige uma nova experiência espiritual em diálogo de complementaridade entre filosofia, ciência, teologia e mística. A irracionalidade antepredicativa e atemática da razão mística e o racionalismo predicativo da razão lógico-analítica e científico-experimental são elevados na síntese superadora e transpredicativa da razão mistérica analógico-experiencial.
A vivência mística do nosso tempo transforma-se em vivência mistérica quando reconhece que a união espiritual com Deus não significa a redução do seu ser infinito às categorias humanas. A experiência mais profunda de Deus é a experiência do Mistério invisível. E quando reconhece que Deus não se reduz à vacuidade de uma pura indeterminação e ao silêncio de uma absoluta transcendência, valorizando a mediação da reflexão teológica e a comunicação da sua presença imanente. A esta nova vivência da misteriosa transcendência imanente de Deus, que se dá na via fenomenológico-hermenêutica da metafísica pela correlação entre afetividade, racionalidade e espiritualidade, damos o nome de «experiência mistérica».
O panteísmo dos celtas, o deísmo transcendente dos judeus e árabes, e o teísmo dos cristãos desenham a nossa fisionomia espiritual saudosa que transforma a tristeza na experiência amorosa da saudade de Deus. Como refere Teixeira de Pascoaes, se o Ária criou a civilização greco-romana e o culto pagão panteísta da forma e da beleza sensível, o Semita criou a civilização judaico-cristã e o culto teísta do Espírito e da unidade divina transcendente. O Luso criou a cultura de uma espiritualidade mistérica e saudosa que concilia a via panteísta da imanência com a via deísta da transcendência num pantiteísmo de transcendência imanente em união de natural e sobrenatural, afetividade e inteligência, matéria e espírito.
Por isso, a cultura portuguesa integra diferentes vias de espiritualidade, em que se podem identificar a união panteísta e mítica com o sagrado através dos movimentos neo-românticos estético-literários anti-clericais, a união panteísta místico-extática com Deus em forma religiosa de perfeita identidade, a união teísta místico-profética com Deus em forma teológica de relacional alteridade, e a união pantiteísta mistérica simultaneamente transcendente e imanente em forma filosófico-teológica que concilia a intuição e a razão, a graça e a natureza.
Abstract
The spirituality of Western civilization developed in a certain antagonism between the experience of myth and mysticism and the experience of logos and theology. The culture of the 21st century demands a new spiritual experience in a complementary dialogue between philosophy, science, theology and mysticism. The antepredicative and athematic irrationality of mystical reason and the predicative rationalism of logical-analytical and scientific-experimental reason are elevated in the overcoming and transpredicative synthesis of analogical-experiential mysterical reason.
The mystical experience of our time becomes a mystical experience when it recognizes that spiritual union with God does not mean the reduction of his infinite being to human categories. The deepest experience of God is the experience of the invisible Mystery. And when he recognizes that God is not reduced to the emptiness of pure indeterminacy and the silence of absolute transcendence, valuing the mediation of theological reflection and the communication of his immanent presence. We call this new experience of the mysterious immanent transcendence of God, which occurs in the phenomenological-hermeneutic path of metaphysics through the correlation between affectivity, rationality and spirituality, “mysterical experience”.
The pantheism of the Celts, the transcendent deism of the Jews and Arabs, and the theism of the Christians outline our longing spiritual physiognomy that transforms sadness into the loving experience of longing for God. As Teixeira de Pascoaes states, if the Aria created the Greco-Roman civilization and the pantheistic pagan cult of form and sensitive beauty, the Semitic created the Judeo-Christian civilization and the theistic cult of the Spirit and transcendent divine unity. Luso created a culture of a mysterious and nostalgic spirituality that reconciles the pantheistic path of immanence with the deistic path of transcendence in a pantheism of immanent transcendence in the union of natural and supernatural, affectivity and intelligence, matter and spirit.
Therefore, Portuguese culture integrates different paths of spirituality, in which one can identify the pantheistic and mythical union with the sacred through anti-clerical aesthetic-literary neo-romantic movements, the mystical-ecstatic pantheistic union with God in a religious form of perfect identity, the theistic mystical-prophetic union with God in a theological form of relational alterity, and the mysterical pantheistic union simultaneously transcendent and immanent in a philosophical-theological form that reconciles intuition and reason, grace and nature.