Clara Saraiva

ICS, ULisboa

Conferência

Percursos e práticas dos Xamanismos Amazônicos em Portugal— Repensando a relação com a natureza pela via espiritual

Clara Saraiva (PhD 1999): Antropóloga, Investigadora e Professora do Instituto de Ciências Sociais (ICS), da Universidade de Lisboa. Foi Professora convidada no Departamento de Antropologia da FCSH- NOVA (1998-2016), na Brown University (2001-02 e 2008) e University of California Berkeley (2013). Pesquisa sobre Antropologia da Religião e Ritual, nas relações com a Antropologia da Saúde e com estudos sobre património. Foi Coordenadora da equipa portuguesa do projecto Europeu HERA-HERILIGION: A patrimonialização da religião e a sacralização do património na Europa contemporânea.  Tem publicações em revistas científicas indexadas, como Etnográfica, Antropologia Portuguesa, Revue Europeéne des Migrations Internationales (REMI), Journal of Ethnic and Migration Studies (JEMS), African Diaspora, Revista Pós de Ciências Sociais, Religions, African Journal of Food Agriculture, Recherches Sociologiques e capítulos em livros editados por editores internacionais, como Brill, Berghahn, Cambriddge Scholars Publishing, Palgrave Macmillan. É co-editora (com Peter Jan Margry, University of Amsterdam)  da colecção Ethnology of Religion da editora Lit-Verlag (Berlim) . É Vice-presidente do World Council of Anthropological Associations (WCAA). De 2014 a 2023 foi presidente da Associação Portuguesa de Antropologia (APA), e entre 2011 e 2016 foi Vice-presidente da International Society for Ethnology and Folklore (SIEF)./

Resumo da Conferência

As mudanças climáticas são uma realidade a nível global, resultado da intensa e insustentável exploração humana dos recursos naturais e degradação ambiental. Alguns autores atribuem esse fenômeno à falta de “conexão e empatia com a natureza”, características de um estilo de vida de uma sociedade moderna e pós-industrial capitalista.

Diante dessa realidade pouco promissora, algumas pessoas têm procurado restabelecer essa identidade ecológica, e para isso têm procurado respostas na espiritualidade, através de práticas, comportamentos e visões de mundo respaldado por valores relacionados com o ambiente. Tal perceção, estudado pelo campo antropológico da Ecologia Espiritual, vislumbra compreender como alguns povos criam sistemas simbólicos de relações humano-planeta, desdobrando-se em meios práticos. Neste âmbito, os saberes da religião e ética espiritual podem conscientizar pessoas sobre direitos humanos e ecológicos onde se inserem os xamanismos indígenas de diversos povos da Amazónia, fundamentados por uma cosmovisão intrinsecamente associada à natureza, onde não existe uma efetiva separação entre natureza, humanos e não-humanos.

A partir desse reconhecimento e valorização, a prática do xamanismo amazônico vem-se disseminando por outros territórios através da circulação de xamãs e líderes indígenas.  Portugal é um desses destinos, onde indígenas da Amazônia realizam retiros, cerimônias e eventos culturais. A partir de trabalho de campo etnográfico através de observação participante em cinco cerimônias em distintos locais portugueses entre 2022 e 2023, apresentam-se os resultados preliminares desta pesquisa. Os resultados sugerem que essas práticas mantêm as suas ferramentas e místicas (i.e. instrumentos musicais, elementos medicinais e terapêuticos tais como plantas psicadélicas, vestes cerimoniais, adornos, entre outros). Os povos que frequentam territórios estrangeiros pertencem ao ramo linguístico Pano, como: Huni Kuin, Yawanawá e Noke Koîn. Esse fato corrobora com os mitos comuns a esses grupos, sobre a “missão” em levar esse conhecimento ancestral aos não indígenas, formando alianças importantes para a continuidade de ambas culturas. As cerimônias e retiros acontecem em ambiente natural, possibilitando aos participantes estreitar contato com a natureza, incentivado pelo discurso dos indígenas que explicam sobre sua cosmovisão. Embora não haja clareza quanto aos recursos gerados nesses eventos, a divulgação dos eventos anuncia que o recurso será revertido para o benefício das comunidades de origem desses indígenas, sempre relacionado ao modo de vida em respeito a natureza, sensibilizando-os quanto à preservação ambiental de um importante bioma para o enfrentamento da crise climática

 

Abstract

Climate change is a global reality, the result of intense and unsustainable human exploitation of natural resources and environmental degradation. Some authors attribute this phenomenon to the lack of “connection and empathy with nature”, characteristics of a lifestyle in a modern, post-industrial capitalist society.

Faced with this unpromising reality, some people have sought to reestablish this ecological identity, and to this end they have sought answers in spirituality, through practices, behaviors and worldviews supported by values related to the environment. This perception, studied by the anthropological field of Spiritual Ecology, aims to understand how some people create symbolic systems of human-planet relations, unfolding in practical ways. In this context, the knowledge of religion and spiritual ethics can make people aware of human and ecological rights, which include the indigenous shamanism of different peoples of the Amazon, based on a worldview intrinsically associated with nature, where there is no effective separation between nature, humans and non-humans.

Based on this recognition and appreciation, the practice of Amazonian shamanism has been spreading to other territories through the circulation of shamans and indigenous leaders. Portugal is one of these destinations, where indigenous people from the Amazon hold retreats, ceremonies and cultural events. Based on ethnographic fieldwork through participant observation in five ceremonies in different Portuguese locations between 2022 and 2023, the preliminary results of this research are presented. The results suggest that these practices maintain their tools and mysticism (i.e. musical instruments, medicinal and therapeutic elements such as psychedelic plants, ceremonial clothing, adornments, among others). The people who frequent foreign territories belong to the Pano linguistic branch, such as: Huni Kuin, Yawanawá and Noke Koîn. This fact corroborates the myths common to these groups, about the “mission” to bring this ancestral knowledge to non-indigenous people, forming important alliances for the continuity of both cultures. The ceremonies and retreats take place in a natural environment, enabling participants to get in closer contact with nature, encouraged by the speeches of the indigenous people who explain their worldview. Although it is not clear regarding the resources generated in these events, the publicity of the events announces that the resources will be reverted to the benefit of the communities of origin of these indigenous people, always related to the way of life that respects nature, raising awareness about the environmental preservation of a important biome for tackling the climate crisis.

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